Desde criança, a paulista de São José do Rio Preto tinha o sonho de ser professora; hoje, é referência nacional em Biomatemática e segue ativa na SBMAC
“Coitada dela”. Foi assim que a ‘tia’ do 4⁰ Ano do Ensino Fundamental avaliou a aspiração da pequena Rosana Jafelice em ser professora. Várias décadas depois, a memória é contada com um sorriso largo, com uma dose de humor contagiante. Cinco décadas depois, ora, coitada de quem mesmo?
Hoje, Rosana pode dizer que conquistou tudo o que ousou sonhar. Natural de São José do Rio Preto, ela nasceu no ano de 1964, justamente quando os militares tomaram o poder no Brasil. Fazia parte de uma família humilde, de mãe costureira e de pai caminhoneiro.
Infância
Mesmo rodeada pelo clima de repressão, ela se imaginava estudando no Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce) – na época, a única universidade pública em Rio Preto. Quando foi conhecer a faculdade, exatamente na Semana da Pátria, ainda durante a infância, ficou encantada por um detalhe peculiar.
“Quando fomos cantar o hino nacional, imagine aquela pressão que vivíamos na ditadura, e eu fiquei encantada com as flores do jardim. E também pelo prédio do Ibilce. E daí sonhei: ‘quero um dia vir estudar na Unesp’”, revela Rosana.
A concretude de sua aspiração começou desde pequenina, mexendo na lousa e ensinando Matemática para as amigas e bonecas. No 4⁰ Ano do Ensino Fundamental, a mãe compareceu à reunião de Pais e Mestres e ouviu da ‘tia’ Isabel que Rosana queria ser professora. “E de Matemática”, acrescenta ela. E então veio o já citado ‘coitada’ da tia, talvez mais para alertar a aluna das dificuldades da profissão. Mas já era tarde demais.
No dia a dia, Rosana tinha como inspiração uma vizinha que ia todo dia à faculdade para dar aula. No fim do Ensino Médio, lá estava ela na lousa, a pedido da professora, para explicar os exercícios passados de tarefa para a turma. A arte de ensinar, como se pode notar, já estava impregnada na alma. Meses mais tarde, seria aprovada no vestibular da Unesp, em Rio Preto, exatamente para o curso de Licenciatura em Matemática.
Vida acadêmica
Em três anos e meio, a paulista completou sua graduação no Ibilce. Em 1986, após um período de aulas particulares, Rosana embarcou para São Carlos, onde fez inicialmente um curso de verão preparatório para o Mestrado em Matemática na USP. De 1986 a 1993, completou a modalidade após uma breve experiência na Unesp, em Bauru. Neste ínterim, estabeleceu-se junto do marido no Triângulo Mineiro e passou a trabalhar como professora na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), onde exerce a função até hoje.
Ao fim do Mestrado, assistiu a uma palestra sobre Biomatemática e foi “paixão à primeira vista”, como ela conta. De 2000 a 2003, completou seu Doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mas já se via totalmente encantada pela área que interligava as Ciências Matemáticas e Biológicas.
O plano da tese de Doutorado, na Unicamp, era avaliar modelos de populações com HIV a partir do estudo dos conjuntos fuzzy. “Após terminar meu Doutorado, posso dizer que a minha trajetória se entrelaça com a SBMAC”, conta Rosana.
Trajetória na SBMAC
Em parceria com o professor Geraldo Nunes Silva, do Ibilce, Rosana organizou mini simpósios de Biomatemática e Congressos Nacionais de Matemática Aplicada e Computacional (CNMACs). Em 2010, na gestão do professor Geraldo, foram criados, então, os Comitês Temáticos da SBMAC, projeto que ganhou corpo nos anos seguintes.
Em 2012, a professora da UFU se tornou a coordenadora do recém-criado Comitê de Biomatemática, até hoje um dos mais volumosos, se considerarmos o número de participantes ativos e de produção de eventos nacionais. Rosana ficou à frente do grupo majoritário até 2016 e comemora os avanços após meses de batalha na área acadêmica.
“Tivemos momentos muito importantes, pois nós conquistamos e batalhamos para colocar a área de Biomatemática como subárea da Matemática Aplicada no CNPq. Hoje, se você entrar na plataforma Carlos Chagas, você vai ver a área de Biomatemática lá. Essa foi uma grande vitória”, recorda a professora paulista, fazendo alusão ao projeto aprovado em 2015 pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Governo Federal.
De 2011 a 2013, Rosana exerceu a função de Editora-Chefe das Notas em Matemática Aplicada e Computacional (NoMA) e foi Editora Associada da tradicional revista Computational & Applied Mathematics (COAM) de 2016 a 2021.
“Tudo que aprendi de editoração e do processo de revisão de trabalhos foram com as oportunidades que a SBMAC me proporcionou”, completa Rosana, que se mantém ativa como Editora Associada da revista Tendências em Matemática Aplicada e Computacional (TEMA) desde 2013 e integrante do Comitê de Mulheres na Matemática Aplicada e Computacional.
Importante figura na área de Biomatemática e Matemática Aplicada no Brasil, Rosana tem consciência da importância de ser porta-voz para a concretização de políticas públicas e ações cada vez mais frequentes à equidade de gênero na área científica. Para a professora, os avanços “parecem pequenos, mas não são”. E ela almeja que mais meninas se tornem cientistas reconhecidas nas décadas futuras com suas contribuições com a SBMAC.
“Acho que a nova geração não pode perder a chance de manter uma relação próxima com a SBMAC, porque certamente, a partir dela, a rede de contatos e os avanços significativos em suas carreiras serão uma consequência”, finaliza.